Soja

“A Moratória da Soja como a conhecemos acabou”. A constatação é de um executivo do agronegócio ao se referir ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que são constitucionais as leis estaduais que proíbem a concessão de incentivos fiscais a empresas que integram acordos como os da Moratória da Soja.

A decisão significa que os signatários do acordo teriam de optar entre manter a suas políticas de compras baseada em critérios ambientais ou seguir usufruindo dos incentivos fiscais. É consenso no setor que a escolha está feita: as companhias não vão abrir mão do resultado financeiro para seguir no arranjo, segundo seis pessoas com conhecimento do assunto ouvidas pelo Reset.

Na prática, isso deve levar ao fim da atuação coletiva das empresas.

A Moratória da Soja é um acordo voluntário firmado em 2006 entre as compradoras de soja (as tradings) e organizações da sociedade civil. Posteriormente, o governo brasileiro também se juntou à iniciativa.

As empresas signatárias se comprometem a não comprar soja cultivada em áreas da Amazônia desmatadas após julho de 2008, respondendo a uma demanda de compradores estrangeiros. O Código Florestal brasileiro permite a supressão vegetal de até 20% das propriedades rurais na Amazônia, mas as signatárias do acordo não compram soja de áreas desmatadas legalmente.

Há quase um ano, o STF julga uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7774) proposta contra uma lei do Mato Grosso, o maior produtor de soja do país. Ela proíbe a concessão de incentivos fiscais e de terrenos públicos a empresas que aderiram a acordos voluntários ambientais. Ações contra leis similares de outros Estados também tramitam no STF.

Após muito vai e vem, o relator da ação, o ministro Flávio Dino, entendeu que os entes federativos têm prerrogativa para conceder ou retirar benefícios fiscais. Em sessão no início de novembro, outros seis ministros seguiram o relator.

O mérito da ação ainda não foi julgado, mas a formação de maioria é suficiente para que esse dispositivo fiscal da lei do Mato Grosso, aprovada no fim de 2024, possa entrar em vigor em 2026. A decisão se estenderia às outras ações.

Na mesma sessão, os ministros também entenderam que o acordo da Moratória da Soja tem validade legal – associações de produtores questionam a legitimidade de um arranjo setorial que faz restrições maiores do que as da legislação nacional. Esta segunda decisão, no entanto, deve ter efeito sobre um acordo esvaziado de signatários.

Sem conversa

As tradings que fazem parte da Moratória da Soja não falam publicamente sobre o assunto. O Reset perguntou para as maiores do setor se elas vão permanecer no acordo após a decisão do Supremo: ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, COFCO International e Amaggi. Nenhuma delas respondeu.

Desde que a disputa começou, elas se posicionam coletivamente apenas por meio da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), que junto com a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) representa a maioria das empresas signatárias.

Do outro lado da disputa está a Aprosoja-MT (Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso), responsável pela cruzada contra a Moratória da Soja em diversas esferas: judicial, administrativa e legislativa.

Um acordo entre os dois lados é visto como o único caminho possível para que a Moratória da Soja sobreviva. O próprio STF deu prazo até o fim deste ano para que as partes (tradings e produtores) negociem uma solução que seja consenso.

Mas não existe espaço para conversa, segundo um interlocutor que ouviu representantes da Abiove e da Anec. “Eles entendem que as possibilidades de composição já se esgotaram e que a Aprosoja não abre espaço para discussão por se sentir bem amparada [pelas decisões judiciais]”, disse.

Uma opção que se discute internamente entre as signatárias é mudar os parâmetros do acordo voluntário para que ele passe a permitir desmatamento legal, se equiparando assim ao Código Florestal e escapando do risco de perder o benefício fiscal.

“Existem conversas para modificar a base central e seguir usando o nome da Moratória da Soja. Mas aí não seria mais a Moratória, apenas uma vitrine para preservar reputação”, diz uma pessoa próxima do arranjo. “O acordo seria esvaziado.”

Compradores

O Reset falou com dois altos executivos de indústrias de alimentos compradores de soja, uma nacional e uma multinacional. Ambas afirmaram que vão seguir com a política de zero desmatamento na compra do grão proveniente da Amazônia.

Para seguirem de forma individual, as empresas terão um custo maior de observância, ou seja, para rastrear se a soja veio de área desmatada. Hoje, ele é compartilhado com todos os signatários que fazem parte da Moratória da Soja. Um grupo de trabalho realiza auditorias de todas as safras.

Como intermediadores entre os compradores e os produtores de soja, as tradings precisam fazer o match entre as duas pontas. E há compradores com demandas específicas em relação às datas limite em que pode ter havido desmatamento associado aos grãos, segundo uma executiva da indústria de alimentos.

Os clientes europeus são um bom exemplo. Eles deram o pontapé na demanda pela Moratória da Soja há 20 anos, mas agora terão uma legislação com uma data de corte diferente, que trará benefícios ao produtor brasileiro.

A lei antidesmatamento na União Europeia proíbe a entrada no bloco de commodities agrícolas originados de terras desmatadas após 31 de dezembro de 2020, seja a supressão legal ou ilegal. Ela está prevista para entrar em vigor no próximo ano, mas há pressão para que seja postergada novamente.

Já na Moratória da Soja, a data limite era 22 de julho de 2008. Ou seja, o produtor brasileiro que vende soja para clientes europeus ganha um “bônus” de 12 anos de desmatamento e, ainda assim, consegue estar em conformidade.

“O passivo ambiental da agropecuária entre 2008 e 2020 é enorme”, diz o executivo de uma ONG que monitora o desmatamento do setor.

Os resultados do acordo mostram que a restrição não impediu o crescimento da produção de soja na Amazônia. A produção se expandiu a uma taxa média de 403 mil hectares ao ano, chegando a 7,3 milhões de hectares na safra 2022/23. Nesta última safra, apenas 5% da produção tinha associação com terras desmatadas, de acordo com a auditoria da moratória.

Thais Folego e Clarissa Frelberger – Reset 

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